O jejum era prescrito
por profetas, embora, às vezes, eles o condenassem por se ter transformado em
jejum formalístico, não seguido de verdadeira conversão do coração; é o caso de
Isaías. O sentido do jejum do Antigo Testamento não mudou, isto é, não mudou a
prática da abstenção de alimentos em dias determinados.
O Cristianismo
ampliou o significado do jejum. Não precisamos necessariamente pensar em
abstinência de alimentos; podemos pensar em outros jejuns: ver menos televisão,
fazer o jejum dos olhos, dos ouvidos, deixar conversas inúteis... Se me privo
de alimentos para sentir na própria carne que “não só de pão vive o homem, mas
de toda palavra que sai da boca de Deus”, dou um sentido nobre ao jejum, isto
é, que as realidades deste mundo não são plenamente satisfatórias. Se ponho um
freio no uso do sexo, quero com isso afirmar que ele não é tudo na minha vida.
Se deixo de tecer comentários desairosos a respeito da vida alheia, estou sendo
mais caridoso - esses são os jejuns que agradam a Deus.
Aprendamos que existem muitas formas de jejuar, sobretudo com o corte daquilo que é espiritualmente excessivo ou que se torna obstáculo em nossas relações com Deus.
O Espírito Santo
toma-nos pelas mãos - evidentemente aqueles que o permitem - porque respeita a
liberdade. Leva-nos ao deserto como conduziu outrora Jesus e faz-nos aquilatar
com mais critério as realidades que não merecem nossas melhores esperanças.
Nascemos sós e
morreremos sós também. Cada qual morre a própria morte. A amizade terrena mais
profunda um dia deixará de existir. O Espírito Santo vai-nos mostrando tais
coisas e faz-nos ver que realidades buscadas com excessivo ardor geram
desilusão. Nosso coração continua a querer algo que não se encontra no que é
terreno. Aquele que é conduzido por Deus ao deserto e permite que o Espírito
lhe fale ao coração percebe quanto é pobre. Nesse momento, Ele inicia o
trabalho de desmantelamento dos nossos falsos ídolos. Começa a esculpir no
coração o rosto do verdadeiro amigo, Jesus Cristo. Leva-o a ter verdadeira
paixão por Ele, a ter saudade de Jesus, a ser invadido por desejo inexprimível
de partir deste mundo para estar com Ele.
Quem pode dizer como
Paulo: “Para mim, viver é Cristo, e morrer é lucro?” Desejo agradar a Jesus de
todas as formas em todos os dias de minha vida? Santo Agostinho dizia, no auge
da sua luta pela conversão: “Tu estavas dentro de mim e eu estava fora, Tu
clamavas dentro e eu me distraía fora, Tu me chamavas e eu não Te ouvia, mas me
distraíam exatamente aquelas coisas que, se não tivessem sido criadas por Ti,
simplesmente não existiriam. Clamaste e rompeste minha surdez! Tarde na vida eu
Te amei, oh beleza tão antiga e tão nova, tarde eu Te amei.” Agostinho, embora
tarde, descobriu a beleza; outros não a descobrem. Santa Tereza de Jesus, na
hora da morte, disse: “Finalmente chegou a hora de nos vermos.” Há cristãos
que, à beira da morte se desesperam, por não terem alimentado durante a vida
uma esperança escatológica.